domingo, 18 de outubro de 2009

Ainda em flor

A mão pequena segura o lápis
A mão da mãe segura a mão pequena
Um rabisco surge no caderninho
Mas nenhuma letra foi desenhada
A mão começa a ficar impaciente
Para que o nome possa escrever
A mãe mais uma vez segura a mão da pequena
Para que em breve a menina aprenda
Que as palavras podem transformar
Aos poucos a mão vai desenhando
A letra inicial do nome
Como é fascinante o desabrochar de uma menina
Ainda em flor.

Laís Correia
16/10/09

No fundo do meu mar

Ondas gigantescas crescem em minha mente
Navegações perigosas e desnorteadas
No fundo do meu mar
Uma garrafa
Contendo um papel com palavras tristes
Afrontadoras
Este barulho de mar parece um presságio
Para que em mim se deságue e me afogue
Em minha porta a brisa do mar ecoa
Me hipnotizando e me deixando a esmo
Criando um vácuo em minha alma
O meu rumo ainda não encontrei
O mapa rasgou-se em pedacinhos
Agora só o que resta sou eu
Mergulhada na imensidão do meu mar.

Laís Correia
09/10/09

Metáforas

Abandonaram-se as flores
O belo vestiu pijama e foi dormir
A canção calou-se no vácuo da noite
Em pleno dia de lua minguante
Nos jardins brotaram páginas em branco
Depois que a poesia resolveu desistir
Num dia de sol chuvoso
Num dia em que a chuva secou todas as palavras
Abandonaram-se os amores
O meu foi embora
Deixando somente metáforas.

Laís Correia
08/10/09

Horas

São quatro horas da tarde
E os minutos não são tolerantes para mim
Busco algo novo
Mas a rotina parece me perseguir
Vou à rua,vejo pessoas
Que antes nunca vi
Minha alma mergulha
Num misto de calma e frenesi
Aproximam-se as horas
E percebo que estou aqui
Sei que a vida reserva
Uma surpresa para mim.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Abrace uma causa


Abrace uma causa qualquer.
Mesmo que seja para se orgulhar
do seu grande favor a humanidade.
Mesmo que você já não seja tão humano.
Coisificado entre ligeiras pretensões
de dar importância ao metal.
Quando o corpo apodrece debaixo da terra,
no caixão mais caro, do terreno mais rico.

Abrace minha causa de suma importância
de dar méritos aos desprovidos de tudo,
mesmo que o tudo seja abstrato,
mesmo que seja a alma que escapa
para esconder-se não sei porquê
atrás das estátuas dos mártires:
os humilhados.

Abrace uma causa, mesmo que seu olhos
não sejam capazes de enxergar adiante.
Mesmo que seu espírito, suas mãos,
(seja lá o que for) não perceba
que assim você abraça a si mesmo.

Abraço a minha causa, sem conseqüências.
Abraço a causa que negaram,
abraço o que os desprovidos de alma
não podem ver.
Abraço a vida, à força, a ferro e fogo,
mas abraço a vida.


2002


Vilma Paz
No país da incompetência


Fulana disse que o sol
lá para os lados
do país da incompetência,
nasce quadrado.
Quadrado atrás de grades
que protegem casas e supermercados.

Fulana nasceu nesse país,
e tem, por isso, o costume
de andar com os olhos vendados
e ela diz que enxerga melhor assim

E são tiras de tecido escuro
que cobrem leis, preconceitos,
revolta, violência,
cobrem crimes...

Fulana disse também
que nesse país
todos têm direito de ir e vir:
Quando os transportes funcionam;
Quando a vida deixa;
Quando os passos são longos;
Quando a morte não chega.

Fulana disse que em seu país
todos são iguais debaixo da terra
(A morte democrática).
Fulana disse tudo isso.
E eu fiquei imaginando
que país era esse.


22.03.2001

Vilma Paz
Paladar

Use o paladar,
descubra meus sentidos
em seus sentidos,
percorra, letra por letra, o meu nome.

Chega perto,
o bastante para sentir
o sabor das letras se desenhando
em poros,
em sangue,
em corpo,

Baila comigo neste passo de dança,
nesta fome de vida...
Use o paladar,
outros sentidos,
descobre comigo
o sabor do corpo,
o sabor das letras,
das sílabas,
as palavras...

Vilma Paz (25/09/2009)